Saulo César Paulino e Silva
Consultor REDEM – Brasil
“Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém: “.mundo sem fundo.” “Uma parte de mim é multidão; outra parte estranheza e solidão”. “Traduzir uma parte noutra parte – que é uma questão de vida ou morte – Será arte?” Ferreira Gullar |
Partindo-se de uma perspectiva fenomenológica, particularmente haidegeriana, a construção do “hic et nunc” (aqui agora) prima pela necessidade de se lançar um novo olhar para o ato de ler, concebendo-o como uma ação libertadora do Ser, reconstrutor de desejos e sentidos. Tradutor de sonhos, vivências e perspectivas.
Torna-se fundamental a percepção do leitor como agente participador de um processo interativo, (re) descobrindo (- se) no texto e no contexto, sujeito de sua própria história. Se para o poeta, em epígrafe, o traduzir-se humano significa, ainda que subjetivamente, o singular se complementando no plural ou, nas suas palavras: “uma parte de mim é multidão, outra parte estranheza e solidão”, pode-se afirmar que leitor, autor, texto e contexto são fundamentais para a realização do processo interacional-comunicativo.
Entende-se que um texto é criado a partir da ótica subjetiva do autor, inserido em determinada realidade social. A construção textual é o resultado da trama de relações sócio-cognitivas que irá dinamizar as informações nas memórias de curto e longo prazos desse mesmo autor.
Por outro lado, o leitor, para compreender e interpretar a mensagem deverá reconstruir sentidos. Ou seja, ele estará, por meio de sua ótica pessoal e também subjetiva, preenchendo o que Umberto Eco (2000) denomina de vazios textuais. Preencher vazios é dinamizar informações culturais e vivenciais. Por isso um mesmo texto, segundo esse pesquisador, proporciona diferentes interpretações, porém nem todas. O leitor, para ser competente, deverá manter uma linha interpretativa coerente com o assunto proposto.
Tem-se, assim, autor e leitor intrinsecamente relacionados ou nas palavras de Barthes (1988): o nascimento do leitor prescinde da morte do autor. Partindo-se dessa premissa, conceitua-se texto como um elo processual interativo entre ambos.
Por isso torna-se importante observar que, ao se definir texto, não se deverá concebê-lo como produto pronto e acabado. Deve-se conceituá-lo como processo a ser reconstruído e desvelado. Isso ocorre porque sem a presença do leitor, Ser/Sujeito, o texto torna-se um amontoado de letras mortas.
Abrem-se, dessa forma, novas portas para o ensino de Língua Portuguesa, especificamente no campo da leitura, objetivando-se priorizar: o leitor, o autor e o contexto. A perspectiva relacional proporcionada por esses três elementos cria condições para a manifestação fenmenológica desse leitior, contextualizando-o e referencializando-o na sociedade.
Se no passado teorias apontavam a leitura como uma ação mecanicista, aliendadora na interpretção do código, há que se relevar, hoje, a revisão de tais conceitos. O Sujeito/Leitor não pode ser mais considerado “um vazio” a ser preenchido. A leitura e a interpretação significam muito mais do que a busca de respostas prontas e acabadas. Todo homem sempre tem muito a ensinar e também a aprender, parafreseando Paulo Freire (1994) quando afirma que ninguém sabe tudo.
A visão tradicional e conservadora, definiu que ensinar era ditar conhecimentos. Hoje pode-se afirmar que ensinar – a ler – é compartilhar conhecimentos, (re)descobrir caminhos, reconhecendo-se que sem sabedoria o homem se torna mera ferramenta de ideologias perversas.
Portanto caberá ao professor, particularmente de Língua Portuguesa, ser também educador, apresentar ao seu aluno a proposta de uma leitura crítica, caracterizada como instrumento democrático que possa proporcionar a esse Leitor/Sujeito o direito de exercer sua plena cidadania, o pleno exercício de (o) Ser individual e coletivo.
Referências Bibliográficas
– BARTHES, Roland. A morte do autor. São Paulo:Brasiliense, 1988.
– Eco, Umberto. Os limites da interpretação. Tradução: Perola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2000.
– FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: cortez, 1994.
– HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. 14ª. Ed.
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